quinta-feira, 16 de março de 2023

Emma e o mar.


Seria o som? Ou as lembranças? A imagem do pai em um barco pequeno cada vez mais longe, as ondas nos pés... Emma não sabia explicar, apenas sentir. Era ali que se sentia abraçada pelo céu. Era na água que todo o peso de seu corpo parecia flutuar... ela voltava a ser a menina que brincava na Ilha de Guarma e que procurava conchas para construir castelos como aquele que seus olhos tanto amavam na região. Sempre que o mundo a fazia desabar ou que a tristeza invadia, Emma corria para o mar, como seu bisavô ensinou. O homem dizia que a mãe dele, Alice, dizia conversar com as plantas e conhecer segredos das águas. Seria ela louca? Emma não sabia, embora amasse ler as páginas que Alice deixara e se identificasse com sua forma de ver a vida. 

Emma desejava o lado de dentro, ela tinha sede pelo mergulho que tirasse seu ar ao ponto de deixá-la apenas respirar sonhos. Trocar de cidade foi um grande desafio, mas pelo menos ainda havia o mar. Spelland era repleta de segredos e respostas e ela era um abismo de perguntas... um caderno em branco, muitas palavras, o sol e a água. Estavam ali os elementos dos quais ela precisava para começar a viver. O medo da solidão ainda a perseguia, afinal, ninguém merece o abandono desde a infância e Emma sabia bem como era o gosto de precisar se virar sozinha. 

A mãe? Que mãe? Diz o pai que ela era um assunto complicado demais para ser explicado e evitava a todo o custo falar do assunto. Já o pai era um engenheiro naval que gostava da vida tranquila de Guarma e pescava nos finais de semana, levando Emma sempre no barco, ainda que a menina odiasse e insistisse em soltar os peixes assim que o pai os capturava. Mergulhavam juntos sempre que o trabalho deixava. Até que as ondas, como por uma vingança, não mais o trouxeram ao porto. Ele sumiu em dia de chuva, quando foi levar uma carga até Saint Denis e não retornou. Emma tinha 14 anos. Todos os dias esperava um retorno e, por isso, o salgado do mar também lembrava o gosto de lágrimas. A solidão era rotina.

Estudou, se virou, sobreviveu. Escreveu longas cartas que nunca foram entregues. Chorou com conchas que nunca ergueram muros.

E hoje, diante do mar, sente-se mais parte dele do que do mundo. 

Deixa a onda bater, Emma. É só o começo.

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